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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A Teoria das ideias segundo David Hume


Para Hume, como vimos, o projeto da ciência do homem, ou a investigação da natureza humana, consiste na análise da mente. Só fazendo essa análise, pensa ele, é possível saber a que questões é a mente capaz de dar resposta e quais as que se encontram fora do seu alcance e das suas capacidades. Recordemos, no entanto, que Hume pensa que este estudo deve basear-se na experiência e na observação. Ora, aquilo de que a mente tem experiência ― pelo menos, experiência direta e imediata ― é dos seus próprios conteúdos. Por esse motivo, o estudo da natureza humana centra-se nos conteúdos da mente e não nos objetos que lhe são exteriores.

Os conteúdos da mente: impressões e ideias

A análise da mente revela que os seus conteúdos são de dois tipos: impressões e ideias, a que Hume chama indistintamente percepções. As impressões distinguem-se das ideias pelo grau de força e de vivacidade com que as apreendemos. As impressões são mais fortes e violentas do que as ideias. Por impressões, Hume entende as sensações, as emoções e as paixões, como quando vemos, ouvimos, desejamos, queremos, amamos, ou odiamos. As ideias têm menos força e vivacidade que as respetivas impressões. A diferença entre impressões e ideias é, segundo Hume, óbvia. Para percebermos porquê basta que comparemos a impressão visual que temos, por exemplo, da nossa casa com a ideia que formamos dela quando não está presente aos nossos sentidos. A ideia da nossa casa é mais fraca, menos viva, do que a impressão. E isto é válido, de um modo geral, para todas as impressões e ideias. Quando estamos perante duas percepções, basta-nos comparar os respetivos graus de força e de vivacidade para sabermos qual é a impressão e qual é a ideia. As percepções mais fortes e mais vivas são impressões; as outras são ideias.

Impressões de sensação e de reflexão

Além de se distinguirem das ideias, as impressões também se distinguem entre si consoante derivem da sensação ou da reflexão. Hume distingue, assim, dois tipos de impressões: impressões de sensação, que são as que têm origem nos sentidos (cores, sons, odores, etc. juntamente com a dor e o prazer); e impressões de reflexão (sentimentos, emoções e paixões como de amor e ódio, de orgulho e humildade, de ira, benevolência, esperança, medo e desejo), que derivam das nossas ideias, por um processo em que as impressões de sensação produzem ideias que, por sua vez, dão origem a novas impressões. Por exemplo:
Primeiro uma impressão atinge os nossos sentidos e faz-nos perceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor de qualquer espécie. Desta impressão a mente tira uma cópia, a qual permanece depois de desaparecer a impressão: é o que denominamos ideia. Esta ideia de prazer ou de dor, quando regressa à alma, produz novas impressões de desejo e aversão, de esperança e medo, que podem propriamente chamar-se impressões de reflexão, porque derivam dela.
Tratado da Natureza Humana, p. 36.

Impressões e ideias simples e complexas

Além desta distinção das percepções em impressões e ideias, Hume divide também as impressões e as ideias em simples e complexas. As impressões e as ideias simples são indivisíveis, isto é, não podem ser decompostas em mais simples e são, por isso, as unidades cognitivas mais básicas com que a mente trabalha. As ideias e as impressões complexas, pelo contrário, podem ser decompostas em impressões e em ideias simples. Assim, a impressão e a ideia de Lisboa ou de uma maçã são complexas, uma vez que podem ser decompostas numa miríade de impressões e de ideias simples, mas a impressão e a ideia de escarlate são simples porque não podem ser decompostas em outras mais simples.

A origem das ideias: o princípio da cópia

Qual é a origem das impressões e das ideias? São as impressões que causam as ideias ou, pelo contrário, as ideias que causam as impressões? Hume pensa que a primeira possibilidade é a correta: as ideias são causadas por impressões que copiam e que representam exatamente.
Isto levanta, contudo, um problema. Podemos dizer que a ideia que temos de centauro é uma representação exata de um centauro? Não, porque nunca ninguém teve uma impressão de centauro. Podemos afirmar que a nossa ideia de Lisboa é uma representação exata da capital de Portugal? Também não, porque muitos detalhes que percepcionámos não foram incluídos na ideia que temos de Lisboa. Não é verdade, portanto, que todas as ideias tenham origem em impressões que representam exatamente. Há ideias que não derivam de nenhuma impressão correspondente (o caso da ideia de centauro); e outras que, embora tenham origem em impressões, não constituem uma representação exata dessas impressões (como é o caso da ideia de Lisboa). No entanto, isto acontece, pensa Hume, apenas com as ideias complexas. As ideias simples são cópias e representam exatamente as impressões correspondentes. Esta ideia é tão importante, que Hume faz dela o primeiro princípio da sua filosofia e é costume chamar-lhe Princípio da Cópia. Hume apresenta-a desta forma no Tratado da Natureza Humana:

Todas as nossas ideias simples no seu primeiro aparecimento derivam de impressões simples que lhes correspondem e que elas representam exatamente.
Tratado da Natureza Humana, p. 32.

Há, segundo ele, duas fortes razões para pensar deste modo. A primeira é que as impressões simples ocorrem na mente sempre primeiro que as respetivas ideias, como o prova o facto de que quando queremos dar uma cor a conhecer a uma pessoa, por exemplo, uma certa tonalidade de azul, suscitamos nela a impressão dessa tonalidade e não tentamos, de forma absurda, suscitar a ideia para que a pessoa tenha a impressão. A segunda razão que Hume evoca é a de que aqueles que estão privados de um determinado órgão sensorial desde o nascimento, por exemplo, da visão, e, por consequência, não têm impressões visuais, também não têm as ideias correspondentes.
O facto das ideias terem origem em impressões resolve, segundo Hume, uma velha controvérsia. Recordemos que, para Descartes, algumas ideias fundamentais, das quais todo o conhecimento deriva, são inatas. Mas se as ideias têm origem em impressões, a que correspondem e que representam, como Hume pensa, não há ideias inatas. Isto permite a Hume afirmar a sua tese empirista fundamental: todo o conhecimento acerca do mundo tem origem na experiência e é limitado àquilo de que temos experiência.
O Princípio da Cópia vai ser usado por Hume com um objetivo ainda mais importante do que resolver a polémica entre racionalistas e empiristas relativamente à origem do conhecimento. Um dos principais problemas da metafísica, segundo ele responsável por muito do seu descrédito, prende-se com a forma imprecisa e descuidada com que as palavras e as ideias são usadas nos raciocínios. Há, no entanto, um teste que permite resolver este problema. Este teste consiste em perguntar que impressão está na origem da ideia que o termo refere. Se não existir qualquer impressão, o termo não tem qualquer significado e é, portanto, ininteligível.
O Princípio da Cópia é, assim, também um critério de significado: permite, remontando às impressões, determinar o significado efetivo dos termos e até se têm algum significado. Hume vai aplicar este princípio a algumas das ideias mais importantes da metafísica, em particular, a ideia de substância e de conexão necessária.

Capitalismo e Cristianismo




Olavo de Carvalho

A pedidos, e com notável atraso, reproduzo aqui este artigo que, com título editorial modificado, saiu na revista Repúblicade dezembro de 1998. - O. de C.

Uma tolice notável que circula de boca em boca contra os males do capitalismo é a identificação do capitalista moderno com o usurário medieval, que enriquecia com o empobrecimento alheio.
Lugar-comum da retórica socialista, essa ideiazinha foi no entanto criação autêntica daquela entidade que, para o guru supremo Antonio Gramsci, era a inimiga número um da revolução proletária: a Igreja Católica.
Desde o século XVIII, e com freqüência obsessivamente crescente ao longo do século XIX, isto é, em plena Revolução Industrial, os papas não cessam de verberar o liberalismo econômico como um regime fundado no egoísmo de poucos que ganham com a miséria de muitos.
Mas que os ricos se tornem mais ricos à custa de empobrecer os pobres é coisa que só é possível no quadro de uma economia estática, onde uma quantidade mais ou menos fixa de bens e serviços tem de ser dividida como um bolo de aniversário que, uma vez saído do forno, não cresce mais. Numa tribo de índios pescadores do Alto Xingu, a "concentração do capital" eqüivaleria a um índio tomar para si a maior parte dos peixes, seja na intenção de consumi-los, seja na de emprestá-los a juros, um peixe em troca de dois ou três. Nessas condições, quanto menos peixes sobrassem para os outros cidadãos da taba, mais estes pobres infelizes ficariam devendo ao maldito capitalista índio — o homem de tanga que deixa os outros na tanga.
Foi com base numa analogia desse tipo que no século XIII Sto. Tomás, com razão, condenou os juros como uma tentativa de ganhar algo em troca de coisa nenhuma. Numa economia estática como a ordem feudal, ou mais ainda na sociedade escravista do tempo de Aristóteles, o dinheiro, de fato, não funciona como força produtiva, mas apenas como um atestado de direito a uma certa quantidade genérica de bens que, se vão para o bolso de um, saem do bolso de outro. Aí a concentração de dinheiro nas mãos do usurário só serve mesmo para lhe dar meios cada vez mais eficazes de sacanear o próximo.
Mas pelo menos do século XVIII em diante, e sobretudo no XIX, o mundo europeu já vivia numa economia em desenvolvimento acelerado, onde a função do dinheiro tinha mudado radicalmente sem que algum papa desse o menor sinal de percebê-lo. No novo quadro, ninguém podia acumular dinheiro embaixo da cama para acariciá-lo de madrugada entre delíquios de perversão fetichista, mas tinha de apostá-lo rapidamente no crescimento geral da economia antes que a inflação o transformasse em pó. Se cometesse a asneira de investi-lo no empobrecimento de quem quer que fosse, estaria investindo na sua própria falência.
Sto. Tomás, sempre maravilhosamente sensato, havia distinguido entre o investimento e o empréstimo, dizendo que o lucro só era lícito no primeiro caso, porque implicava participação no negócio, com risco de perda, enquanto o emprestador, que se limitava sentar-se e esperar com segurança, só deveria ter o direito à restituição da quantia emprestada, nem um tostão a mais. Na economia do século XIII, isso era o óbvio — aquele tipo de coisa que todo mundo enxerga depois que um sábio mostrou que ela existe. Mas, no quadro da economia capitalista, mesmo o puro empréstimo sem risco aparente já não funcionava como antes — só que nem mesmo os banqueiros, que viviam essa mudança no seu dia a dia e aliás viviam dela, foram capazes de explicar ao mundo em que é que ela consistia. Eles notavam, na prática, que os empréstimos a juros eram úteis e imprescindíveis ao desenvolvimento da economia, que portanto deviam ser alguma coisa de bom. Mas, não sabendo formular teoricamente a diferença entre essa prática e a do usurário medieval, só podiam enxergar-se a si próprios como usurários, condenados portanto pela moral católica. A incapacidade de conciliar o bem moral e a utilidade prática tornou-se aí o vício profissional do capitalista, contaminando de dualismo toda a ideologia liberal (até hoje todo argumento em favor do capitalismo soa como a admoestação do adulto realista e frio contra o idealismo quixotesco da juventude). Karl Marx procurou explicar o dualismo liberal pelo fato de que o capitalista ficava no escritório, entre números e abstrações, longe das máquinas e da matéria — como se fazer força física ajudasse a solucionar uma contradição lógica, e aliás como se o próprio Karl Marx houvesse um dia carregado algum instrumento de trabalho mais pesado que uma caneta ou um charuto. Mais recentemente, o nosso Roberto Mangabeira Unger, o esquerdista mais inteligente do planeta, e que só não é plenamente inteligente porque continua esquerdista, fez uma crítica arrasadora da ideologia liberal com base na análise do dualismo ético (e cognitivo, como se vê em Kant) que é a raiz da esquizofrenia contemporânea.
Mas esse dualismo não era nada de inerente ao capitalismo enquanto tal, e sim o resultado do conflito entre as exigências da nova economia e uma regra moral cristã criada para uma economia que já não existia mais. O único sujeito que entendeu e teorizou o que estava acontecendo foi um cidadão sem qualquer autoridade religiosa ou prestígio na Igreja: o economista austríaco Eugen Böhm-Bawerk. Este gênio mal reconhecido notou que, no quadro do capitalismo em crescimento, a remuneração dos empréstimos não era apenas uma conveniência prática amoral, mas uma exigência moral legítima. Ao emprestar, o banqueiro simplesmente trocava dinheiro efetivo, equivalente a uma quota calculável de bens na data do empréstimo, por um dinheiro futuro que, numa economia em mudança, podia valer mais ou valer menos na data da restituição. Do ponto de vista funcional, já não existia mais, portanto, diferença positiva entre o empréstimo e o investimento de risco. Daí que a remuneração fosse tão justa no primeiro caso como o era no segundo. Tanto mais justa na medida mesma em que o liberalismo político, banindo a velha penalidade da prisão por dívidas, deixava o banqueiro sem a máxima ferramenta de extorsão dos antigos usurários.
Um discípulo de Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises, explicou mais detalhadamente essa diferença pela intervenção do fatortempo na relação econômica: o emprestador troca dinheiro atual por dinheiro potencial, e pode fazê-lo justamente porque, tendo concentrado capital, está capacitado a adiar o gasto desse dinheiro, que o prestamista por seu lado necessita gastar imediatamente para tocar em frente o seu negócio ou sua vida pessoal. Von Mises foi talvez o economista mais filosófico que já existiu, mas, ainda um pouco embromado por uns resíduos kantianos, nem por um instante pareceu se dar conta de que estava raciocinando em termos rigorosamente aristotélico-escolásticos: o direito à remuneração provém de que o banqueiro não troca simplesmente uma riqueza por outra, mas troca riqueza em ato por riqueza em potência, o que seria rematada loucura se o sistema bancário, no seu conjunto, não estivesse apostando no crescimento geral da economia e sim apenas no enriquecimento da classe dos banqueiros. A concentração do capital para financiar operações bancárias não é portanto um malefício que só pode produzir algo de bom se for submetido a "finalidades sociais" externas (e em nome delas policiado), mas é, em si e por si, finalidade socialmente útil e moralmente legítima. Sto. Tomás, se lesse esse argumento, não teria o que objetar e certamente veria nele um bom motivo para a reintegração plena e sem reservas do capitalismo moderno na moral católica. Mas Sto. Tomás já estava no céu e, no Vaticano terrestre, ninguém deu sinal de ter lido Böhm-Bawerk ou Von Mises até hoje. Daí a contradição grosseira das doutrinas sociais da Igreja, que, celebrando da boca para fora a livre iniciativa em matéria econômica, continuam a condenar o capitalismo liberal como um regime baseado no individualismo egoísta, e terminam por favorecer o socialismo, que agradece essa colaboração instituindo, tão logo chega ao poder, a perseguição e a matança sistemática de cristãos, isto é, aquilo que o Dr. Leonardo Boff, referido-se particularmente a Cuba, denominou "o Reino de Deus na Terra". Daí, também, que o capitalista financeiro (e mesmo, por contaminação, o industrial), se ainda tinha algo de cristão, continuasse a padecer de uma falsa consciência culpada da qual só podia encontrar alívio mediante a adesão à artificiosa ideologia protestante da "ascese mundana" (juntar dinheiro para ir para o céu), que ninguém pode levar a sério literalmente, ou mediante o expediente ainda mais postiço de fazer majestosas doações em dinheiro aos demagogos socialistas, que, embora sejam ateus ou no máximo deístas, sabem se utilizar eficazmente da moral católica como instrumento de chantagem psicológica, e ainda são ajudados nisto — porca miséria! — pela letra e pelo espírito de várias encíclicas papais.
Uma das causas que produziram o trágico erro católico na avaliação do capitalismo do século XIX foi o trauma da Revolução Francesa, que, roubando e vendendo a preço vil os bens da Igreja, enriqueceu do dia para a noite milhares de arrivistas infames e vorazes, que instauraram o império da amoralidade cínica, o capitalismo selvagem tão bem descrito na obra de Honoré de Balzac. Que isso tenha se passado logo na França, "filha dileta da Igreja", marcou profundamente a visão católica do capitalismo moderno como sinônimo de egoísmo anticristão. Mas seria o saque revolucionário o procedimento capitalista por excelência? Se o fosse, a França teria evoluído para o liberal-capitalismo e não para o regime de intervencionismo estatal paralisante que a deixou para sempre atrás da Inglaterra e dos Estados Unidos na corrida para a modernidade. Um governo autoritário que mete a pata sobre as propriedades de seus adversários para distribuí-las a seus apaniguados, é tudo, menos liberal-capitalista: é, já, o progressismo intervencionista, no qual, por suprema ironia, a Igreja busca ainda hoje enxergar um remédio contra os supostos males do liberal-capitalismo, que por seu lado, onde veio a existir — Inglaterra e Estados Unidos —, nunca fez mal algum a ela e somente a ajudou, inclusive na hora negra da perseguição e do martírio que ela sofreu nas mãos dos comunistas e de outros progressistas estatizantes, como os revolucionários do México que inauguraram nas Américas a temporada de caça aos padres. O caso francês, se algo prova, é que o "capitalismo selvagem" floresce à sombra do intervencionismo estatal, e não do regime liberal (coisa aliás arquiprovada, de novo, pelo cartorialismo brasileiro). Insistindo em dizer o contrário, movida pela aplicação extemporânea de um princípio tomista e vendo no estatismo francês o liberal-capitalismo que era o seu inverso, a Igreja fez como essas mocinhas de filmes de suspense, que, fugindo do bandido, pedem carona a um caminhão... dirigido pelo próprio. A incapacidade de discernir amigos e inimigos, o desespero que leva o pecador a buscar o auxílio espiritual de Satanás, são marcas inconfundíveis de burrice moral, intolerável na instituição que o próprio Cristo designou Mãe e Mestra da humanidade. Errare humanum est, perseverare diabolicum: a obstinação da Igreja em suas reservas contra o liberal-capitalismo e em sua conseqüente cumplicidade com o socialismo é talvez o caso mais prolongado de cegueira coletiva já notado ao longo de toda a História humana. E quando em pleno século XIX o papa já assediado de contestações dentro da Igreja mesma proclama sua própria infalibilidade em matéria de moral e doutrina, isto não deixa de ser talvez uma compensação psicológica inconsciente para a sua renitente falibilidade em matéria econômica e política. Daí até o "pacto de Metz", em que a Igreja se ajoelhou aos pés do comunismo sem nada lhe exigir em troca, foi apenas um passo. Ao confessar que, com o último Concílio, "a fumaça de Satanás entrara pelas janelas do Vaticano", o papa Paulo VI esqueceu de observar que isso só podia ter acontecido porque alguém, de dentro, deixara as janelas abertas.
Que uma falsa dúvida moral paralise e escandalize as consciências, introduzindo nelas a contradição aparentemente insolúvel entre a utilidade prática e o bem moral, e, no meio da desorientação resultante, acabe por levar enfim a própria Igreja a tornar-se cúmplice do mais assassino e anticristão dos regimes já inventados —eis aí uma prestidigitação tão inconfundivelmente diabólica, que é de espantar que ninguém, na Igreja, tenha percebido a urgência de resolver essa contradição no interior mesmo da sua equação lógica, como o fizeram Böhm-Bawerk e von Mises (cientistas alheios a toda preocupação religiosa). Mais espantoso ainda é que em vez disso todos os intelectuais católicos, papas inclusive, tenham se contentado com arranjos exteriores meramente verbais, que acabaram por deixar no ar uma sugestão satânica de que o socialismo, mesmo construído à custa do massacre de dezenas de milhões de cristãos, é no fundo mais cristão que o capitalismo.
Não há alma cristã que possa resistir a um paradoxo desse tamanho sem ter sua fé abalada. Ele foi e é a maior causa de apostasias, o maior escândalo e pedra de tropeço já colocado no caminho da salvação ao longo de toda a história da Igreja.
Arrancar da nossa alma essa sugestão hipnótica, restaurar a consciência de que o capitalismo, com todos os seus inconvenientes e fora de toda intervenção estatal pretensamente corretiva, é em si e por essência mais cristão que o mais lindinho dos socialismos, eis o dever número um dos intelectuais liberais que não queiram colaborar com o farsesco monopólio esquerdista da moralidade, trocando sua alma pelo prato de lentilhas da eficiência amoral.

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