Para Hume, como vimos, o projeto da ciência do homem, ou a investigação da natureza humana, consiste na análise da mente. Só fazendo essa análise, pensa ele, é possível saber a que questões é a mente capaz de dar resposta e quais as que se encontram fora do seu alcance e das suas capacidades. Recordemos, no entanto, que Hume pensa que este estudo deve basear-se na experiência e na observação. Ora, aquilo de que a mente tem experiência ― pelo menos, experiência direta e imediata ― é dos seus próprios conteúdos. Por esse motivo, o estudo da natureza humana centra-se nos conteúdos da mente e não nos objetos que lhe são exteriores.
Os conteúdos da mente: impressões e ideias
A análise da mente revela que os seus conteúdos são de dois tipos: impressões e ideias, a que Hume chama indistintamente percepções. As impressões distinguem-se das ideias pelo grau de força e de vivacidade com que as apreendemos. As impressões são mais fortes e violentas do que as ideias. Por impressões, Hume entende as sensações, as emoções e as paixões, como quando vemos, ouvimos, desejamos, queremos, amamos, ou odiamos. As ideias têm menos força e vivacidade que as respetivas impressões. A diferença entre impressões e ideias é, segundo Hume, óbvia. Para percebermos porquê basta que comparemos a impressão visual que temos, por exemplo, da nossa casa com a ideia que formamos dela quando não está presente aos nossos sentidos. A ideia da nossa casa é mais fraca, menos viva, do que a impressão. E isto é válido, de um modo geral, para todas as impressões e ideias. Quando estamos perante duas percepções, basta-nos comparar os respetivos graus de força e de vivacidade para sabermos qual é a impressão e qual é a ideia. As percepções mais fortes e mais vivas são impressões; as outras são ideias.
Impressões de sensação e de reflexão
Além de se distinguirem das ideias, as impressões também se distinguem entre si consoante derivem da sensação ou da reflexão. Hume distingue, assim, dois tipos de impressões: impressões de sensação, que são as que têm origem nos sentidos (cores, sons, odores, etc. juntamente com a dor e o prazer); e impressões de reflexão (sentimentos, emoções e paixões como de amor e ódio, de orgulho e humildade, de ira, benevolência, esperança, medo e desejo), que derivam das nossas ideias, por um processo em que as impressões de sensação produzem ideias que, por sua vez, dão origem a novas impressões. Por exemplo:
Primeiro uma impressão atinge os nossos sentidos e faz-nos perceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor de qualquer espécie. Desta impressão a mente tira uma cópia, a qual permanece depois de desaparecer a impressão: é o que denominamos ideia. Esta ideia de prazer ou de dor, quando regressa à alma, produz novas impressões de desejo e aversão, de esperança e medo, que podem propriamente chamar-se impressões de reflexão, porque derivam dela.Tratado da Natureza Humana, p. 36.
Impressões e ideias simples e complexas
Além desta distinção das percepções em impressões e ideias, Hume divide também as impressões e as ideias em simples e complexas. As impressões e as ideias simples são indivisíveis, isto é, não podem ser decompostas em mais simples e são, por isso, as unidades cognitivas mais básicas com que a mente trabalha. As ideias e as impressões complexas, pelo contrário, podem ser decompostas em impressões e em ideias simples. Assim, a impressão e a ideia de Lisboa ou de uma maçã são complexas, uma vez que podem ser decompostas numa miríade de impressões e de ideias simples, mas a impressão e a ideia de escarlate são simples porque não podem ser decompostas em outras mais simples.
A origem das ideias: o princípio da cópia
Qual é a origem das impressões e das ideias? São as impressões que causam as ideias ou, pelo contrário, as ideias que causam as impressões? Hume pensa que a primeira possibilidade é a correta: as ideias são causadas por impressões que copiam e que representam exatamente.
Isto levanta, contudo, um problema. Podemos dizer que a ideia que temos de centauro é uma representação exata de um centauro? Não, porque nunca ninguém teve uma impressão de centauro. Podemos afirmar que a nossa ideia de Lisboa é uma representação exata da capital de Portugal? Também não, porque muitos detalhes que percepcionámos não foram incluídos na ideia que temos de Lisboa. Não é verdade, portanto, que todas as ideias tenham origem em impressões que representam exatamente. Há ideias que não derivam de nenhuma impressão correspondente (o caso da ideia de centauro); e outras que, embora tenham origem em impressões, não constituem uma representação exata dessas impressões (como é o caso da ideia de Lisboa). No entanto, isto acontece, pensa Hume, apenas com as ideias complexas. As ideias simples são cópias e representam exatamente as impressões correspondentes. Esta ideia é tão importante, que Hume faz dela o primeiro princípio da sua filosofia e é costume chamar-lhe Princípio da Cópia. Hume apresenta-a desta forma no Tratado da Natureza Humana:
Todas as nossas ideias simples no seu primeiro aparecimento derivam de impressões simples que lhes correspondem e que elas representam exatamente.
Tratado da Natureza Humana, p. 32.
Há, segundo ele, duas fortes razões para pensar deste modo. A primeira é que as impressões simples ocorrem na mente sempre primeiro que as respetivas ideias, como o prova o facto de que quando queremos dar uma cor a conhecer a uma pessoa, por exemplo, uma certa tonalidade de azul, suscitamos nela a impressão dessa tonalidade e não tentamos, de forma absurda, suscitar a ideia para que a pessoa tenha a impressão. A segunda razão que Hume evoca é a de que aqueles que estão privados de um determinado órgão sensorial desde o nascimento, por exemplo, da visão, e, por consequência, não têm impressões visuais, também não têm as ideias correspondentes.
O facto das ideias terem origem em impressões resolve, segundo Hume, uma velha controvérsia. Recordemos que, para Descartes, algumas ideias fundamentais, das quais todo o conhecimento deriva, são inatas. Mas se as ideias têm origem em impressões, a que correspondem e que representam, como Hume pensa, não há ideias inatas. Isto permite a Hume afirmar a sua tese empirista fundamental: todo o conhecimento acerca do mundo tem origem na experiência e é limitado àquilo de que temos experiência.
O Princípio da Cópia vai ser usado por Hume com um objetivo ainda mais importante do que resolver a polémica entre racionalistas e empiristas relativamente à origem do conhecimento. Um dos principais problemas da metafísica, segundo ele responsável por muito do seu descrédito, prende-se com a forma imprecisa e descuidada com que as palavras e as ideias são usadas nos raciocínios. Há, no entanto, um teste que permite resolver este problema. Este teste consiste em perguntar que impressão está na origem da ideia que o termo refere. Se não existir qualquer impressão, o termo não tem qualquer significado e é, portanto, ininteligível.
O Princípio da Cópia é, assim, também um critério de significado: permite, remontando às impressões, determinar o significado efetivo dos termos e até se têm algum significado. Hume vai aplicar este princípio a algumas das ideias mais importantes da metafísica, em particular, a ideia de substância e de conexão necessária.